sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Partícipe sem codinome

como subtrair os ossos no ofício ilegítimo da repetição?
como,  num vau de intérminos, arranhar a língua com os raios 
de sol do meio-dia?
quisera eu ser o escape entre o estame e o desabrigo 
quisera eu a morada perpétua, embora hóspede do fictício 

o meu dia é deserto
quando as horas esvaídas em cessões de urdos não-ritmados
quando a ausência se entrelaça ao corpo esguio do próprio excessivo silêncio
que propagado, em sua essência, ainda permite a absorção 

o meu dia é inanição
energia-retalhada quando o vento desvencilha as portas
inalterável clamor de presenças jamais premeditado
que urde em espelhos na pele; no mar, de relance, dilúvios adiados

o meu dia é anonimato
face que se delineia frente ao ato fossilizado
o traço da traça; o labirinto das veias; destruo o monumento
reconstruo dos escombros com o ímpeto de uma distração

o meu dia é anestesia
pássaro da vigília sobreposta ao sono
o suplício dos olhos por esquecer o codinome
até que as mil silhuetas de uma resistência se dissolvam
nas pálpebras 

o meu dia é óbice de mapas
acaso impresso na constância da chuva que se contém
que se debate em irresolução e permanece imaculada

o meu dia é umidade 

2 comentários:

  1. o meu dia é deserto
    quando as horas esvaídas em cessões de urdos não-ritmados
    quando a ausência se entrelaça ao corpo esguio do próprio excessivo silêncio
    que propagado, em sua essência, ainda permite a absorção
    [...]
    o meu dia é inanição [...] que urde em espelhos na pele; no mar, de relance, dilúvios adiados

    é dificil entender como em nós as coisas se entremeiam, se entrelaçam, tramam, não apenas nos versos, em estágio final, mas nas proto-ideias que tem que ser vislumbradas com alguma sobreposição de imagens poeticas e, dentro de seus fluxos, suas velocidades, as dinamicas com que interagem entre si... certas palavras aparecem mais que outras em cada poema, pq talvez estejam naquela definicao linear de inconsciente e supraconsciente, que no final das contas nao dizem muita coisa porque sao vagas demais, e se fossem muito precisas, seriam vagas de menos...

    urdir é uma palavra maravilhosa, porque em latim seus troncos principais sao (ordĭor, ordīris, orsus sum, ordīri) donde derivaram tantas outras palavras que basicamente significam

    1 tecer (maquinar), tramar
    2 começar, iniciar
    3 começar a falar de

    urdir é também maquinar, criar intrigas, como aristocracia e burguesia eram frequentes antes mesmo do estabelecimento da era moderna, com seus teares mecanicos - lá nos artesaos e mercadores, a conotaçao premeditada... na versao italiana do Principe de Machiavel veremos lá muitas vezes a palavra ordire, no sentido de maquinaçao... na grécia o termo se alterna entre μηχανώμαι (mi̱chanó̱mai, maquinar) e αρχή (archí, começar) que também encontra ressonancia nas linguas latinas, nas Bacantes de Eurípedes também encontramos esse termo δύλιον μηχανωμαι, no sentido de corrupçao, e intrigas...


    contudo há também o sentido de tessitura, de construçao como em Petrarca...

    Anima bella, da quel nodo sciolta
    Che piú bel mai non seppe ordir Natura,
    Pon dal ciel mente alla mia vita oscura,
    Da si lieti pensieri a pianger volta.
    [...]
    Alma bela, solta daquele nó /
    Que nunca mais belo a Natureza soube urdir, /
    Lança do Céu uma lembrança à minha vida obscura, /
    De tão alegres pensamentos volta às lamentações.

    ou em Walt Whitman...

    WEAVE in! weave in, my hardy life!
    Weave yet a soldier strong and full, for great campaigns to come;
    Weave in red blood! weave sinews in, like ropes! the senses, sight
    weave in!
    Weave lasting sure! weave day and night the weft, the warp, incessant
    weave! tire not!
    (We know not what the use, O life! nor know the aim, the end--nor
    really aught we know;
    But know the work, the need goes on, and shall go on--the death-
    envelop'd march of peace as well as war goes on;)
    For great campaigns of peace the same, the wiry threads to weave;
    We know not why or what, yet weave, forever weave.

    um abraço

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    1. Também sempre imaginei que as palavras mais notáveis sugerissem um significado além-concebido, como se de alguma parte fluxo adentro reincidisse aquilo puramente legítimo ou, talvez, sequer definido, dado vaga impressão de ser cativado. Abraços!

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