domingo, 26 de outubro de 2014

Naufrágio

vivem as fissuras confinadas ao resgaste tardio em minhas mãos 
que logo apartarão o dia? 
vivem os náufragos a palavra de um refugiar-se na cidade estéril dos olhos? 
viveria inda que desperto num desvario quebradiço? 
inda que as janelas fossem acessíveis a tudo que é alheio
que o bel da repressão se moldasse na última arfada; vive constante a pulsação? 

II
à parte a invasão de mares intraduzíveis; 
o pulverizar dos pulmões outrora mártir de uma casualidade
ainda que o ciclo se pautasse num revérbero intencionado
os barcos estacionados na orla, o cárcere que corrói as têmporas de água, 
a aceleração, a renúncia dos dizeres
ainda que o submergir fosse alterativa ao desamparo 

III
vive rompido o relâmpago contra a dispersão das ruínas 
das luzes acesas em instante breve. em percalço inválido, 
valia de invenção, dissimulo a validade como quem golpeia o perecível
vive póstero de uma concessão ao infinito
vive a égide das nuvens em alvorada fugidia
o artifício dos cegos para enxergar o sol
a lucidez na guarida do abismo

IV
senão a face que se abriga no esquivo embate das ondas
nas constelações já fundadas sob o crânio da criança refugiada
no pranto confundido com o mar em retrocessão
em seu desaparecimento diante o instável movimento de areias
a face que parte de um navio renascido das cinzas
a face cujo nome escapa a todos que navegam

V
vivem as palavras imersas no espaço resguardado ao silêncio absoluto? 
vivem pelo impulso de trovoadas que lhes permitem exasperar o não-dito? 
como indigentes, sob a suspeita de um encerramento inédito? 
sob a vigília de oceanos que perpetuam correntezas-em-cerne? 
que congestionam o cais ao entardecer e exprimem um alarido 
contra as ondas que cessam bravias? vive inconstante a inanição?

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