sábado, 25 de agosto de 2012

O crime é a irrelevância das entrelinhas

          — Como se lida com àquilo que não somos capazes de absorver? 
          — Deitamos sob a benção da ignorância.
          — Não entendo, meu amor, não consigo entender. Por que não sou capaz de escrever tais coisas tão essenciais sem que elas soem tão vazias e pesadas? 
          — Sua alma é livre, Clara.
          — E eu me encontro sempre tão presa à velhas ânsias e inverdades sobressaídas nos momentos mais nefastos. Você sabe... Nos momentos em que o meu maior desejo é a perspicuidade.
           — Você é uma boba.
           — Ah, meu amor, você não compreende. Não alcanço a liberdade me expondo tanto assim. Quero sempre ter a certeza de que não sou alvo de olhares e irrevogáveis teorias.
           — E existe em algum lugar a justificação de tamanho medo?
           — Talvez exista um lugar em que os outros sejam apenas os outros.
           — No caso, nunca teríamos nos conhecido, Clara.
           — Você é infinitas vezes melhor que os outros. E não falo de amor. 
           — Ninguém aqui está falando, embora nossas alcunhas relevam-se em cada suspiro.
           — O fato é que dentro de mim, todos a minha volta são mais livres, quero dizer... todos são mais influentes e melhores do que eu. 
           — Não use o termo "melhor" para distinguir os outros.
           — Também não me agrada a pronúncia.
           — Outrora lhe mostrarei o abismo da orgânica pronuncia da humanidade, dos h-u-m-a-n-o-s. Verá, então, que os outros estão tão perdidos como você, amor.
            — Você quer dizer as predominâncias e discrepâncias do sistema? 
            — O sistema e todas circunstância que faz do mundo um berço de insetos. 
            — A burguesia exacerba seus bolsos, os miseráveis dilatam suas pupilas, uma nação vai à falência. Mas eu ainda estou perdida. E minha incerteza não está na capa do jornal. 
            — Todos nós estamos, amor. Ainda sim, as páginas dos jornais trazem cada dor do mundo estampada em suas dobras e redobras, mas só percebemos quando o jogamos fora. 
            — Fala de divergência? 
            — Falo de hipocrisia, meu amor. E ela não é notícia no jornal, mas está sempre escondida nas entrelinhas. 
           Deve ser algum tipo de magia a sensorial pronúncia da verdade àqueles que corrompe sua vivacidade, quero dizer, àqueles que tornam-se retrato da pouca minuciosidade de um regime polarizado. São os resultados de sua própria miséria que os prevalecem acima daqueles que não se importam com o mal acabamento da sua casa ou a falta de dinâmicos planos futuros. Quero dizer, a luz da casa vai embora e a culpa é daqueles que visam "um mundo terno e ideal". E suas únicas pretensões tratam-se apenas de uma seividade cotidiana e um bom toalete nos mais luxuosos cafés do mundo. Eles estampam nas capas das mídias a pictórica realidade de seu universo ao mesmo tempo em que bordam com linho e seda a vastidão da miséria humana, da eterna falta de visão daqueles que perderam-se nos redemoinhos do futuro que, no entanto, sempre foi o presente e o passado. 
           Trago-lhe aqui a má organização do meu cinismo voltado à perspicácia, pois tenho uma demasiada apreensão em relação a um levante mundial para a regalia das classes. Mas não é medo, talvez esteja mais perto da desesperança, da descrença infinita. Quem sabe seja por isso que minhas palavras submetem-se sempre a preponderância quando falo da sociedade inepta que nos cerca. Meu objetivo não trata-se de encontrar uma solução, um fim-de-linha, um percepção subjetiva. Encontro-me aqui para suprir e clamar os sonhos daqueles que mortificaram seu corpo e ensurdeceram sua voz. Agora basta reivindicar a prepotência daqueles que iluminam as ruas. 

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