quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Da vertigem instantânea à vulgaridade: capítulo I

        Quando acordei do derradeiro sono, a casa encontrava-se demasiada quieta e por vezes a brisa batia e regressava instantaneamente em norteio a meu quarto. As luzes pálidas dos automóveis nas esquinas refletiam-se na mobília excrescente e denominativa o que tornava o quarto fracamente iluminado. 
       Cortejando o entardecer distinto, em meio das seis horas e meia da tarde, o céu grafite escondia os últimos raios de sol nas montanhas de nuvens sob o lúdico desamparamento da lua, a coreografia dotada de imponente magnificência e covardia. Pois nunca fora capaz de iluminar-se, de reluzir suas próprias bençãos diagnosticado como o estudo das pedras, para a audácia do efervescente futuro do universo. Desde que cheguei ao outro lado da empatia, venho constantemente sofrendo de algum tipo de psicose. 
        Era tudo mera coincidência e eu havia expandido as dobras e redobras daqueles míseros segundos de intensa beatitude disfarçada de eternidade. Mas embora houvesse vezes em que indaguei-me se deveria seguir ou deixar que as horas cumprirem sua sentença, me pareceu até que o desamparo trouxera-me o que em qualquer circunstância me viria. "É o mundo que está girando, não a pedra que está rolando" e nesse passe de expectativas frustadas surgem os imensos acervos, os depósitos de poeira escondidos nos recessos de mortalidade, quero dizer, no gigantesco universo da existencialidade acoplado àquilo que chamamos de tempo.
      Eu estava organizando as malas para seguir em viagem ao Leste quando, em meio ao alvoroço de bugigangas e pedaços de papéis rabiscados, encontrei algumas velhas cartas enfadonhas de mais ou menos quinze anos atrás. 
      "[...]  O fato é que nunca entenderão, meu amor, e você está incluso nisso. O fato é que eu sempre arrumarei um jeito por mais inconcebível que seja tais circunstâncias de buscas, eu sempre arrumarei um jeito de intensificar cada hora e eternizar cada sonho. E derramarei sobre o oceano de melancolia os últimos restos que após meses vieram como base para a construção de um hoje que ainda me aterroriza, mas não como um susto como ocorrera-me anteriormente. É um terror, um medo que surgiu em mim por consequência do que ontem vivi. E cada meia-linha que se define não cessa tão assim rápido assim.
            Desde que o segredo fora bordado em minhas entranhas e o peso em minha consciência suscitou, venho regularmente sofrendo de algum tipo psicose. Chega a ser a maior, ou a melhor forma de entregar-se a desesperança, ao retrato monocromático, aquele que dilacera a regalia vertente do ataque mortífero.Voltaremos sempre ao mesmo lado, aos lados avulsos, aos lados, que uma vez dissera,  não condizerem entre si.
           Lembra quando você me perguntou do que raios eu falava em minhas antigas cartas? Ó, amor, eu não falo, nem escrevo, eu  voo como um sopro vindo em direções contrárias em ponto a tornar-se um redemoinho. É por isso que muitos não entenderão uma só palavra que disse quando terminar o último paragrafo dessa infâmia fantasiada de jornal diário.
          Há muito mais que aqui queria dizer-lhe, mas transborda, transita e transforma em mim cada sensação estupefata. O que quero dizer é que aquilo que mais dar-se por intenso e imenso não cabe entre essas linhas inacabadas e tais mãos tão frágeis não são capazes de transcrever tamanho sortilégio. Se, no caso, por suposta liberdade reluzir minhas palavras em forma de insanidade diária, de auta forma de gestos cotidianos, seria a mais gloriosa das bençãos que um dia pus-me a sonhar. E é puro egoísmo, amor. É puro egoísmo...[...]
"
       Enquanto lia os parágrafos, os minutos passavam-se e a partida estava cada vez mais perto. De qualquer forma, não poderia deixar aquelas portas em tal momento. Lágrimas jorravam de meus olhos já tão adornados que nem as rudimentares dores de um dia  que era inexistente do calendário anual poderia apagar de minha tão conturbada memória o vácuo que restara em minhas feições. E cartas como aqueles tenderiam sempre a perpetuar em mim a saudade que um dia fora primogênita da esperança. Esperança que sempre estaria a correr em minhas finas veias cor de jade mesmo depois das luzes das ruas e de todo universo serem apagadas. 

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