a um passo da cegueira, o olho do elevador é de vidro
ouço o trincar das chaves na fechadura da porta mais próxima
tudo deforma o conceito do isolamento
o hiato dos passos
o compromisso em não estar disponível
a simetria das portas desmonta o tumulto de sombras
mas as lâmpadas seguem a mecânica dos pés; receio do vão
quando o abismo faz domicílio em meus ouvidos
(certa vez li que os olhos enxergam no escuro por conta de um pigmento
mas há muito acredito ser a visão um sentido iluminado por estrelas)
embora reter a evasão de rastros cartografia afora
seja a distração dos fantasmas nos domingos mais longos
a morfina-aliada-à-insônia renuncia o horário de esboços
não há grito a ser despido
como desvario ou um invólucro à civilidade
nomeia o ouriço que agoniza sem pátria na matilha de espelhos
afunda o colosso entre sílabas e escapes insones
atiça em teus calcanhares as lâminas dos sonos pendentes
prolonga a partida dos segundos pela porta dos fundos
como mil pássaros sem revoada
cujas asas derretem à um passo da porta
cujo ócio encarna superlotando os pulmões baldios
não há grito a ser armado
não há grito a ser lapidado
o pestanejar do sol às três e quinze recorda distante
o exílio
o motim das auroras
dos silêncios cárceres de sóis em delíquio
a história do perpétuo a hostilidade do incerto
(do sol que parte repartindo-se em dois)
dos grifos-portáteis que invadiam os corpos
da saliva que sucedia as cinzas dos gestos
da madrugada que aguardava o apagar de todas as janelas
da vigília que tecia o estopim pelas últimas etapas do sono
por mais que eu detenha a inversão de disparates
(memória do crepúsculo numa mudez impenetrável)
nesses dias mais óbvios que a tríade de estrelas no céu da boca
o rosto esboça o alvorecer do vício como
um aceno de despedida
por mais que eu imobilize o percurso
e precite palavras quando o ofício das horas se cumpre
furtando recortes de luz entre a caixa torácica
(o dígito em dedilhares caducos)
desvelando o edifício após o desmoronar dos teus vales
demora ainda em meu sentido imprescindível
a poeira-vestígio-do-eterno que embala o devir
e dispõe do refúgio
nos declives das fechaduras
na cadência da repetição que dilacera a sombra
na mediana em mim
enquanto as horas se anulam e os fantasmas
tumultuam o que desperta
"tudo deforma o conceito do isolamento"
ResponderExcluirdevia ser proibido a redução do poema, a análise passo a passo de suas imagens, porque ficariamos radiografando aquilo que explode para dentro e fora e é concentração de sentido, de tempo e espaços... certos versos contém todo o ocidente e acho que é por isso que a poesia resiste, mesmo quando nos mesmos nao resistimos...
um dia historiadores escreverão a história universal do anonimato e do exílio, medievalistas, a escola nova francesa com lefebrve e tantos outros que foram os fundadores da historigrafia contemporanea... seria curioso se perder entre panfletos e cronicas de epoca, mesmo as mais antigas pare recuperar esses documentos de excomungação e exilio que se perdem no tempo... penso que a historia universal do anonimato seria impossivel, porque o anonimato é essa admiração constante, um tipo de voyerismo refletido, há algo de erotico no
anonimato, diferente do exílio que é sempre uma violencia...
o primeiro caso sempre que nos vem a cabeça é de Dante, e seus versos ja bem desgastados e lidos num sentido de prosa, como se beatriz encerrase toda a sua obra, embora beatriz seja outras coisas também.... quando dante foi exilado de Florenza por razões politicas nada poderia ser mais ironico... o fundador da língua italiana (por agregar termos de sua epoca no clacissmo do latim) era por ela expulso - será que há algum documento assinado pelos magistrados de florença, escritos agora em italiano, expulsando o próprio pai de casa... mas expulsar o pai de casa, do trono e coloca-lo em ostracismo ou exila-lo é costume comum na historia monarquica, eclesiastica, aristocratica e burguesa do ocidente; é bem tipico das instituições sociais... só os profetas, loucos e poetas é que não são bem aceitos por elas, porque Platão teria que ter razão, não era coerente, dentro do estabelecimento da razao, que algo que dela se desviasse fosse cultivado de modo indiscriminado
São os poetas que fundam as cidades, ja diria Giambattista Vico em sua Scienza Nuova em contraposição ao discurso sobre o método de Descartes, ele sabia que havia falhas epistemologicas no plano cartesiano - na verdade, icongruencias - porque o sistema cartesiano é perfeito dentro de si mesmo, as amarrações logicas, mas ele logicamente não abarcava tudo... Hoje dou razao ao Plato, mas pelo lado esquerdo, os poetas devem ser expulsos da cidade por que o estabelecimento delas é tudo aquilo que ele quer implodir ou suspender - quando o poeta re-funda a cidade (A Língua) e nisso ele já assina seu contrato de exílio... o poeta expulsa a si mesmo
"[...] os poetas devem ser expulsos da cidade por que o estabelecimento delas é tudo aquilo que ele quer implodir ou suspender - quando o poeta re-funda a cidade (A Língua) e nisso ele já assina seu contrato de exílio... o poeta expulsa a si mesmo"
ResponderExcluirComo um feixe ao impenetrável e particular exílio, suas palavras transparecem o estopim jamais cessado, senão tornado cidades fundeadas. Obrigada pelos comentários!