sábado, 25 de maio de 2013

A beatificação (parte 2)

V - A Prisão
         Suponho que talvez estejamos demasiado cientes da linhagem não corrompível de nossa existência para todo sempre norteada à um decisorial e flamejante baú de reminiscências ou fatos preteridos, mas impossibilitados de nomear e compreender  em âmbito universal  um momento qualquer de maneira indissipável e forjado de superficiais percepções. Seja o meio adquirido para a precursão de nossas ideologias, fadados residimos todos, arquétipos de discursos e reflexos hostis, ao monumental palácio de perplexidade por jamais exaltar a legítima palavra de resplendor e  ressurreição. A palavra é um adversão à qualquer minuciosidade do tempo. 

VI - As Entre-Linhas
       Fincamos nossos pés ao invisível terminal matinal e dedilhamos, solícitos, nossos pulmões doentios. A estrada visita-nos complacente e memorável por recordar-nos de um dia já inexistente na consciência como as ondas que tenuemente colidem-se com os rochedos no ápice da orla marítima. Ou como um coração que vorazmente pulsa à fim de manter-se desperto.  Eu, que de forma inepta suspendo as emoções mais intrínsecas, sou uma nomeação anônima em meio às multidões, uma sombra silente e resignada. Não posso ocultar-me em vão ou impulsionar as rédeas de um fim anterior ao tilintar dos relógios. Fala-se de liberdade, fala-se de amor, fala-se de integridade, fala-se de altruísmo, fala-se de palavra, fala-se de eternidade. Mas meus lábios são incapazes de pronunciar uma sequer fala, pois sou mera arquitetura daquilo que fantasio à fim de esquecer-me da ausência de mim mesma.  Minha virtude esfacelou-se quando meus olhos desvairados recusaram-se a contemplar as feições nítidas de uma ideia alheia.  

VII - O Disfarce
        Os odores de capim-limão, os dedos fatigados, as distimias da beleza, o estapafúrdio da imaginação, a pitoresca porcelana, o alvo chão de lodo, a vidraria antiquada, o desespero diário, os raios, o zênite, a invenção sem cogitação, as orelhas pontiagudas, os lábios róseos, as pupilas viciosas, o ódio ardente, a imprevisível histeria, os afáveis toques, os choros introspectivos, as fartas atmosferas, os interstícios de cada átomo,  o medo irracional, as desventuras inacabadas, os saudosismos ilustrados, as similaridades da cidade, as visões pneumáticas, as emoções palatáveis, a junção de corpos, a coleção de versos, as janelas transversais, a razão poética. 

VIII - Os Ossos
     Não chamei-os de artifícios sensoriais, ou mesmo, símbolos proféticos. Roubamos suas almas de objetos utilitários e transgredimos, à priori, o conceito de utopia, sobretudo a pertencente aos mais afligidos cânticos de horror. Não dormimos à noite, levantamos-nos às pressas e gritamos silenciosamente. Sei que, embora tarde, ainda há um princípio farto e imprescindível por trás de todas as palavras ditas ou não. A pronunciação da palavra é uma interrupção precoce do lirismo perpétuo que pressiona nossos ossos trincados e padece as vísceras de nossas emoções. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Páginas

Seguidores