sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

A beatificação (parte I)

I - A aura
           Estou sozinha. São exatamente seis e vinte e nove da tarde. Eis o instante duvidoso quando os restos solares entram em comunhão com o negror impenetrável da noite. Penso em arte. O mistério do irreconhecível poético emblema da virtude, desconsertando toda uma linha de raciocínio. Estamos sempre tão conectados aos ofícios da banalidade. Aspiro ao menos alcançar uma condição plausível até que me seja concedida uma questão. 
           A morte é um anseio vívido. Como sonho em sucumbir entre choques elétricos e diagramas inquestionáveis. Como sonho em estar viva até que meu riso seja sensibilizado e apagado da memória tal que um dia possa não só mover os cantos de meus lábios e exprimir som à partir de uma palavra, mas dimensionar cânticos beatificados e viver de fato. Como sonho, por sua vez, provar do mais sombrio sentido da morte e adormecer desvairando, pronunciando discursos mudos e infindáveis. Nesse meio espaço de  dupla faces encontro, finalmente, o má expressão da angústia. Detalhadas expressões caminhando até o desemboque nefasto de uma consciência fisicamente inalterável.  
                 O que sustenta às cegas as horas intrínsecas e as  distorções côncavas de um olho é a garantia de tal dúvida eterna alicerçada ao desgastante tempo universal.  Pois sei que haverá um momento em que terei que ceder mesmo que a liberdade seja limitada em minha própria pátria da qual multidões ardorosas desaparecem. 


II - O desespero
               A prática e desejo pelo presente começara antes mesmo das 4. 
            Nossas mãos martirizadas chocando-se entre rios de sangue e pudor eram os únicos meios que usávamos para nos comunicar, sempre muito precisos e apáticos. Um tiro de luz madreperolada e riscos grotescos no teto pouco tangível. Do que sobrava-nos ao fim de toda introdução distorcida eram as velhas ânsias fragmentadas sob a luminosidade opaca que contemplava a parede de encontro as nossas feições. De todo, nada compreendia à respeito da ausência de expressividade em cada movimento e palavra. Como um simples toque de horror e espanto, pairado vividamente em mim. 
            A mais antiga das orquestras esplendidamente pulsando sem que se fosse concebida um mero intervalo de tempo: o assobio agudo do violino ponderando-se e desembocando entre a lua que lá fora jazia muda. Era o momento em que todas as cordas sintéticas e flamejantes que antes tocavam o som pragmático ao meu redor, cessassem e finalmente o silêncio tão aclamado surgisse, estupefato. 
             Sabíamos, eu digo, que tamanha agitação não passava de desesperança quando nada tínhamos no que interferir. 
             

III - O horror
              As constelações cujas mortes nunca foram percebidas pediam licença poética por verem nitidamente aquilo que os precursores líricos do excesso vivem por maquiar. 
           Não significava, porém, que enfim teríamos que acompanhar, desnorteados, o ritmo suspeito das lâmpadas quebradas que piscavam a cada meio segundo. Supõe-se, então, que à ponto que a existência absurda de um mínimo alicerce superficial apto à salvar-nos do excesso descompassado de escuridão escapando pelas extremidades de nossas unhas, teríamos encontrado um meio-termo entre aquilo que nos impossibilitava de manter-nos perceptíveis. Encontraríamos nossos próprios rostos arruinados pela perplexidade, pela inércia emocional. 
     Antes que qualquer indício de loucura recriasse a maestria monumental e embriagada, procurei acanhar-me nos poucos milésimos de dia à passo que a escuridão fosse arremessada em lampejos de pureza. A noite nunca fora tão clara quanto o dia. Desde então, todos os fatos que anteriormente me haviam mantido aquecida e lúcida diluíram-se até que me fosse perdida a razão. A repugnância dos risos e diálogos curtos dominados pelo terror do reconhecimento inato em frente à falsa analogia. A atmosfera translúcida à mercê de interrogações e abismos jamais vistos mesmo quando alçávamos nossos corpos cobertos por oceanos de ouro e nuvens inanimadas. Eis que o progresso sobre as trevas partiria ao meio todos os propósitos arduamente. Mas o pérfido clamor inerte que ainda rejuvenescia nossos dias em branco estaria, talvez, prestes à extinguir aquilo que conhecíamos como "estar em claro". 
               Finalmente, a luz trépida tornava visível as sombras efêmeras abaixo de seus olhos a adornar um sorriso caricatural, enquanto o ruído cáustico dos ponteiros do relógio agonizando nossos tímpanos marcava exatamente 3 e cinquenta e sete da manhã. Uma banal madrugada de segunda feira.  Uma mágoa sensitivamente ineficaz. Um momento de esperança escondido entre os intervalos palpitantes da luminária. 
               A catástrofe começara antes mesmo das 4. 

IV - O sublime
             Nossas cabeças flutuam desprezando o cansaço, os olhos explosivos saltam das cavas nefastas de nossas têmporas. A empolgação é a essência do gestos incomuns sobretudo os improvisados. O sonambulismo profético, a  farsa, herdeiros dispersos da matéria fétida.  A suspeita felicidade em ser. Eu sou, eu sou, eu sou. Nós somos.
          Eu encontrei, desordenada, a metamorfose pragmática do belo na tentativa de esquecer a estética babélica e colossal de um coração que suspira fora de órbita. E é imprescindível como nos agarrávamos a qualquer aparência inusitada e jogada de expressões de tudo que um dia consideramos espantoso à medida que, após tanta inaptidão, o aterrorizador viera a se tornar usual, impecavelmente em série. 
             O louvor pela perfeição oriunda ao mundo em suspiros emersos à tragédia. Já não sou capaz de lembrar quantas vezes fomos suspeitos ao delírio e do quanto corrompíamos uma linha vital entre a razão e a ciência no momento em que nos afogávamos na maestria ilusória do contato, no descompasso inédito do tempo, nas águas profundas da poesia. 
       Eu venero agora a fadiga do olhar que ainda desguarda o oceano admirável em monólogos de dias frenéticos. 
              Eu existo.


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